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Esporte

Pelé destruiu estigmas raciais e influenciou identidade brasileira, dizem pesquisadores

Para discutir o legado do "atleta do século", a Sputnik Brasil ouviu pesquisadores de diversas áreas

Pelé (Foto: Reprodução / Lucas Jackson - Reuters)
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Sputnik - Nesta quinta-feira (29), Edson Arantes do Nascimento, o Pelé, tricampeão mundial e sinônimo de futebol, faleceu aos 82 anos. A Sputnik Brasil ouviu jornalistas e pesquisadores para discutir o legado da carreira do eterno camisa 10 para o esporte, para a construção da identidade nacional e para população negra do Brasil.

Há semanas internado no hospital Albert Einstein, na capital paulista, onde tratava um câncer no cólon, Pelé morreu nesta quinta-feira (29). Sendo uma das figuras mais famosas do século XX, a morte do ex-jogador repercutiu mundialmente.

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Com uma carreira brilhante, Pelé conquistou, ao lado da Seleção Brasileira, as Copas do Mundo de 1958, 1962 e 1970. No Santos, onde jogou praticamente a carreira toda, também empilhou títulos, entre eles duas Libertadores e dois Mundiais de Clubes, viajando o mundo inteiro em partidas de exibição com a equipe. Em um dos episódios mais notórios dessa trajetória no clube, chegou a paralisar uma guerra civil na Nigéria.

Para discutir o legado do "atleta do século", a Sputnik Brasil ouviu pesquisadores de diversas áreas, que apontaram as contribuições de Pelé para além dos campos de futebol, desde sua ascensão em meio a um mundo ainda marcado pela segregação racial, à sua contribuição para a profissionalização do esporte e a formação da identidade brasileira.

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 Pelé foi um 'destruidor de estigmas' racistas

Apesar de Pelé não ter sido conhecido como um ativista contra o racismo, especialistas na questão racial brasileira atribuem a ele um legado importante nessa frente. Na avaliação do pesquisador Juarez Tadeu de Paula Xavier, professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e militante histórico do movimento negro, "o legado de Pelé para população negra brasileira é extraordinário, enorme".

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Segundo o professor, é preciso observar que o Brasil construiu políticas públicas de segregação e violência contra a população negra a partir do século XIX, incluindo a negação da humanidade e estigma dos negros brasileiros. Nesse sentido, Pelé quebrou com a lógica racista dessa visão. 

"O Pelé desmonta tudo isso com a sua genialidade, especialmente a partir de 1959, quando se torna um ícone mundial. Então toda a ideia que se tinha de o negro ser incapaz de ser criativo, o Pelé destruiu; incapaz de compreender os processos políticos, econômicos, sociais, o Pelé destruiu; incapaz de expressar de forma ampla a sua humanidade, o Pelé destruiu. Então a figura dele destruiu, destroçou, todos os preconceitos e estigmas de discriminação em relação à população negra", explica o pesquisador à Sputnik Brasil. 

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Xavier aponta que com o surgimento e o sucesso inegável da figura de Pelé, caem "o mito da fabulação da incapacidade da população negra" e a ideia de que o negro não seria um sujeito de direitos.

"Esse é o grande legado de Pelé para o Brasil, de modo geral, e para a população negra, em especial. É o fim dos estigmas. Ele questiona os estigmas com a sua genialidade, ele provoca a necessidade de uma mudança, de pensar o negro a partir de um novo prisma, diferente do que vigia até o século XIX nesse país. Ele abre possibilidade para que o negro, como cidadão, reivindique políticas públicas e ele mostra a iniquidade do racismo na sociedade brasileira, em que mais de 60% da população é negra. Então ele deu uma grande contribuição nesse sentido", afirma.

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O pesquisador salienta que a Seleção Brasileira que venceu a Copa de 1958 com Pelé quebrou um paradigma racial que vigia no Brasil até então. Xavier lembra que a presença negra chegou a ser proibida no time nos anos 1920 por decisão do então presidente brasileiro, Epitácio Pessoa.

Essa estigmatização ficou explícita também em episódios posteriores, como o massacre da opinião pública contra o goleiro Barbosa, um homem negro, responsabilizado pela derrota brasileira na final de 1950 da Copa do Mundo, e em declarações de dirigentes do futebol brasileiro nos anos seguintes.

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 "E aí vem 1958 e um menino 17 anos muda tudo. Provoca uma mudança em tudo, mostra genialidade, competência, destreza, inteligência, estratégia — tudo aquilo que fora negado até 1954, Pelé destrói isso com a sua genialidade. E isso traz questões importantes porque, a partir de 1958, todo jogador negro — garoto, criança — queria ser Pelé", aponta, acrescentando que a trajetória do gênio do futebol mudou a lógica anterior e tornou a presença negra no futebol algo positivo.

Para Xavier, apesar da importância inegável de Pelé para o futebol brasileiro, o racismo ainda será uma questão importante na disputa pela memória e pelo legado do eterno jogador.

"Nesse sentido, acho que o movimento negro tem que ter uma ação política. Não, obviamente, inventando a imagem Pelé, mas problematizando essa questão para compreender a dialética do que ele provocou em relação à presença do negro [...]. Precisamos ir além da aparência e observar a essência do fenômeno Pelé [...]. Pelé teve um papel importante na humanização do negro na sociedade brasileira. Isso eu não tenho dúvida alguma", diz o professor.

'Um inventor da brasilidade'

Em entrevista à Sputnik Brasil, o escritor e historiador Luiz Antonio Simas, autor de "Maracanã: quando a cidade era terreiro", afirma que Pelé talvez represente o ápice de "um futebol de sonho, de imaginação".

"Pelé talvez tenha sido o primeiro jogador — e acho que ninguém conseguiu isso tanto como ele, até hoje — que consolidou a relação, a união, entre o sonho e o concreto. Era um tremendo de um atleta e ao mesmo tempo era um mágico com a bola nos pés. Então é por isso que ele é alçado à categoria do maior de todos", avalia Simas.

Na visão do escritor, Pelé, além de um excelente atleta, é também um dos responsáveis pela criação da identidade brasileira.

"O Pelé, mais do que um jogador de futebol, é um inventor da brasilidade. Isso porque, em um país com quatro séculos de escravidão ver um descendente de pessoas que foram escravizadas furar a bolha da exclusão social — que sempre caracterizou a nossa história — e chegar ao auge de ser o brasileiro mais conhecido de todos os tempos, se para o futebol, o Pelé é o ápice, para o Brasil, o Pelé é um inventor da brasilidade, é um dos inventores de um país que a gente sonha que seja mais generoso, mais imaginativo. Pelé é tudo isso", avalia.

Pelé marcou ruptura no futebol profissional

O sociólogo Ronaldo Helal, professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e coordenador do Laboratório de Estudos em Mídia e Esporte (LEME), acredita que Pelé, além do talento, revolucionou o futebol profissional em relação à importância da preparação física.

 "O Pelé, não só para o Brasil, mas mundialmente, marcou uma ruptura na forma de se encarar é o futebol profissional. No caso brasileiro, eu diria que — apesar de ele ter sido muito cobrado durante toda a sua carreira de que ele poderia ter feito mais pelos projetos no Brasil — acho que a imagem dele foi extremamente importante, de mostrar para o mundo um atleta negro e tricampeão, o atleta do século. Então nesse sentido, é um ícone, fantástico, incomparável do Brasil e para o mundo", avalia Helal em entrevista à Sputnik Brasil.

O sociólogo aponta que o Brasil saiu da década de 1930 "com uma certa fragilidade na noção do que era ser brasileiro". Helal, lembra que a ideia de brasilidade passou a ser discutida por diversos autores, como o jornalista Mário Filho e os escritores Sergio Buarque de Holanda, Gilberto Freyre e José Lins do Rêgo. Segundo ele, o pensamento brasileiro passou a enxergar no futebol um "motor para juntar uma nação de dimensão continental como o Brasil". Nesse sentido, o sucesso de Pelé a partir de 1958 ajuda a formar a identidade brasileira.

"Essa equação de Seleção Brasileira e nação brasileira, identidade nacional, praticamente se consolida ali. Eu digo sempre que essa equação vai perdendo força nas últimas décadas por conta da globalização, da ida dos melhores jogadores para a Europa, mas acho até que hoje em dia ela não é tão importante quanto foi naquele momento. Naquele momento, era importante você ter essa noção de brasilidade e o futebol, muito por conta do Pelé, acabou sendo bastante exitoso nessa construção de identidade nacional", afirma.

Sinônimo de excelência

O jornalista Leandro Iamin descreve Pelé como o "mais impactante atleta e jogador do século XX" e lembra que o brasileiro é uma das figuras midiáticas globais mais conhecidas do planeta. Iamin ressalta que a permanência do "atleta do século" por quase toda a carreira no futebol brasileiro, algo incomum para os grandes talentos da atualidade, foi também uma vitória para o esporte do país.

"A gente conseguiu ter o Pelé a carreira quase inteira aqui no Brasil. Ele não precisou ir à Europa, não quis à Europa, quis ficar aqui e a gente conseguiu viabilizar isso. Então é uma grande vitória do futebol brasileiro. É uma história de vitória do futebol brasileiro em campo, mas a vitória brasileira que representa o Pelé é também para autoestima, para a ideia do atleta de elite, para o atleta negro brasileiro", afirma Iamin em entrevista à Sputnik Brasil.

O jornalista afirma que, apesar de que a notícia da morte de Pelé já era esperada devido ao seu quadro de saúde, está de coração partido ao recebê-la. Para Iamin, seria necessário inventar uma nova palavra para classificar a importância do tricampeão mundial.

"Muitas vezes a gente fala sobre alguém que é muito bom em alguma coisa que 'esse cara é o Pelé de determinada coisa', porque o Pelé não tem um adjetivo que possa defini-lo, então que o adjetivo vire Pelé", conclui Iamin.

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